quinta-feira, 28 de julho de 2011

pelo buraco da fechadura


sou um homem que aprendeu a gostar de mulheres,
ensinado pelos outros homens de minha família.

entendo minha posição menor
e digo mesmo que gosto de vê-las assim,
sobreluzentes.

foi com os duros homens de minha família
que aprendi a olhar as mãos para além da idade
e a olhar o corpo para além do ventre.

mães, irmãs e madrinhas,
todas melhores que nós.
melhores que mil.
melhores que eu.

são minhas mulheres que me definem.



cara de fernando diegues
palavra de victor valente



segunda-feira, 25 de julho de 2011

o homem invisível


era um homem que vivia da aspereza
e desfiava a própria dor em pedra pomes.

ilusões não havia,
sabia que a vida é o que se pode ter
e a verdade é que se tem tão pouco...

quando chegava a solidão,
e ela sempre vinha,
tirava-lhe respeitosamente as sandálias dos pés
e lixava os calos de tão dura caminhada.






cara de fernando diegues
palavra de victor valente

sexta-feira, 22 de julho de 2011


conjecturas


vá lá que vida não seja
um eterno repousar em berço esplêndido,
mas pra que tantos adamastores?

meu Deus... não!
fosse meu essa tormenta não me caberia.
a mim, só prazeres bastariam
e mesmo esta gagueira passaria.

restaria enfim um homem forte,
vibrante e bem disposto

- com uns tantos fios a mais nesta cabeça,
mas despido de todo o charme.




cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 18 de julho de 2011


amor?


ele me vê
do jeito que eu vejo você,
atônito.

ele não fala
e a gente na sala só ouve a tevê,
afônico.

do jeito que vai
eu rastejo de mais e pra quê?
platônico.

de cima da pedra
a gente nem medra e o salto no escuro...
eu pulo.



cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 14 de julho de 2011

sobre nós



de mais a mais,
sempre haverá quem veja versos
como quem passa o dia,
quem leia na letra alheia
a própria ausência.







cara de fernando diegues
palavra de victor valente




segunda-feira, 11 de julho de 2011

ágape

ai desses olhos míopes de saudade!

pela tarde que chegava morna,
os sons dos passos se reconheciam
na timidez do encontro.

sei porque vi,
e ainda que se afaste de mim
a memória,
há de permanecer o encantamento!

eis aí a tua mãe,
e os sulcos sobre a pele
deflagravam a verdade
- a mesma lágrima sobre o mesmo colo quente.

eis a tua filha!
(e os anos de espera,
as histórias de um ontem triste
que já é nada).

ver o passado em páginas de agora
vale os dias de lembrança e mágoa.

sei porque vi.
o amor é carne sobre a carne,
é vinho quente que escorre sobre o vidro.





cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 7 de julho de 2011


imperfeito


havia uma criança que
vez em quando batia à porta,
um jeito de esperar correr
e ouvir o passo meigo na escada.

havia a festa
e uma alegria mentirosa,
disfarçada de descanso.

havia um rio que corria sobre nós
e que falava amor e pedra e sapo.

havia um tempo de beijar os dedos:
nós fazíamos promessas
e o passado não doía.





cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 4 de julho de 2011


desejado


gosto de imaginar coisas
e de ir vivendo dessas coisas que imagino.

gosto de andar à orla
quando a luz laranja colore
a imperfeição das cores
ocres da lembrança.

nós brincávamos como não houvesse história,
suspensos num tempo de estio.

duas crianças amanhecendo para a eternidade.






cara de fernando diegues
palavra de victor valente