sábado, 13 de novembro de 2010

E=mc²

O tema da transformação é recorrente em nosso trabalho. Essa mutabilidade das coisas encontra-se, mais ou menos evidente, em cada uma de nossas postagens e, acima disso, nas relações de sentido que propomos entre as composições. Mas nada que se compare ao exercício desta primeira série.

O que tentamos aqui foi estabelecer um percurso que se clareasse enquanto percorrido e que ao mesmo tempo, a partir do novo, propusesse releituras do que já fora visitado. Dessa forma, caras e palavras brincam com o focado e o desfocado, aguçando o olhar para o periférico, o escuso. Impressões iniciais vão sendo reforçadas e reescritas numa mesma dança.

Elementos que nos sugiram o passo estão aos montes: o fogo, elemento modificador por excelência, aquele que molda o vidro, funde o ferro, mas que renega à história os livros da Biblioteca de Alexandria - fazedor e aniquilador de coisas; a madeira esculpida num rosto de Cristo como elemento tranformado pelo homem - note que as formas velha e nova comungam, num possível esforço de revelar justamente um processo. Mesmo a bíblia em contraste com esse Cristo aponta estradas de ida e volta.

Assim, temos na primeira composição o rosto triste de um Jesus morto sendo traduzido em canto fúnebre - quantas vezes nos deixamos morrer ao longo da vida?, quantas vezes, mortos, nos permitimos a reinvenção de um Pentecostes?, nos pergunta a imagem desolada.

A segunda composição, talvez a mais desafiadora, evidencia a proposta de mudança: as folhas consumidas pela chama revelam-se em cinza. Entretanto, não há aqui o tom melancólico inicial, o poema nos coloca versos delicados, em que as lagartas do passado, futuras borboletas, ensinam mais que o "um tempo para cada coisa" do livro do Eclesiástico: talvez o sabor da vida seja mesmo reaprender, sempre, a viver - ensinam mais porque partem daquilo que foi, efetivamente, experimentado e é preciso, para isso, como as folhas, lançar-se ao fogo.

Quando seríamos, finalmente, colocados diante de um possível desfecho, volta-se novamente, ao princípio. O poema é uma clara alusão ao Caronte grego, o barqueiro que, depois de devidamente pago, leva os mortos a seu destino. Só que aqui o contexto de morte é reescrito. O que se propõe, na verdade, é uma releitura do que foi experienciado, não como repetição ou aprisionamento - não se olha duas vezes o mesmo rio, por nós e pelo rio, é sempre bom lembrar -, mas como busca daquilo que, em nós, nos leva.
Vale perceber que todos os elementos até então relevantes estão contemplados pela imagem, agora, é claro, assumindo nova forma.
Não foi, enfim, o caso de configurar leituras religiosas através de bíblias, Cristos e Pentecostes, mas de, através desses elementos - porque são eles muito vivos para os autores, cada um a seu modo - , aguçar os sentidos para novos rumos e sabores, todos, ironicamente, já tão nossos.


Um beijo,


fernando diegues

victor valente









3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Parabéns, gostei de ler, faz agente mesmo pensar um pouco o que a vida nos oferece e enxergar isso...

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  3. Extraordinária a gama de significados e ressignificados postados, que nos permite refletir sobre toda a existência, sobre as possíveis escolhas, enfim, sobre a nossa própria vida... parabéns!

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