quinta-feira, 30 de setembro de 2010

intimidade

a verdade é que tudo vem
como se nunca houvesse partida.
nosso gosto por besteiras,
a mesa farta.
só os olhos medindo distâncias.
em nossos encontros o tempo dorme
e a vida passa a correr em medidas familiares.
o amor habita a casa
e a casa cresce,
abarca o mundo.
vai ver, saudade vale a pena.


cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

          pra dizer bom dia


eu andava à procura de uma rota qualquer
que mostrasse as minhas coisas,
meu jeito de andar cansado e triste.
buscava um mal de estranheza
que me tocasse a boca e a espera.
que me levasse ao canto escuro
das pessoas que não vivi,
à casa daquelas que em mim não viveram.
eu andava à procura dos enfeites sem exagero,
das tintas borradas de maquiagem sobre a cara.
aos gritos, caçava restos feito bicho.
rostos feito máquina.
o gosto de guardado da memória.
eu andava à procura de uma ausência em mim
que, minha, nunca me fez companhia.
não me abraçou a calma, não me beijou à cama.
eu andei a vida à procura daquilo que nunca veio.

não quis, nem pôde.                                   
cara de fernando diegues
                                                                     palavra de victor valente
                                                                                       
                                                                                                                                                atriz Célia Faustino em
                                                                                                                                                "Exílios - cartas ao vento".


quinta-feira, 23 de setembro de 2010

o homem no quarto

quem bate a porta da saudade?

do carmo

das dores

do silêncio

o homem no quarto implora
um amor antigo.
em sigilo, bebe a história que perdeu.

afeita a barba e segue, outra vez,
o sempre passo:

navalha à pele.
corta-se, assim, a solidão.

cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

odisseu

nesse lugar onde a terra não bate
atraquei-me assim,
sem perceber.

aqui,
onde a prisão é o azul.
- o azul, não vê?.

em mim,
o eterno navegar
sem ilhas ao fim.

eu, que sou esposa e renda.
eu. que busco a sereia
que me enlouqueça.

canta-me, a mim, os teus gemidos,
ando cansado de ser rei!



cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 16 de setembro de 2010


retiros espirituais



de quantos guardados é feita a memória?
de quanta espera?


esses lugares do passado
chegam em lembranças de silêncio
e saudade.


aportam o cais do tempo
e dormem.



cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

enluarado


na conta dos terços escapa um dedo:
foi-se embora a ave maria,
virou silêncio.

tanto melhor.
é que me agradam esses silêncios
e os seus espaços.

os intervalos do relógio na parede,
as madrugadas de terça,
a caneta que vacila...
e esquece.

o breu dos olhos é a testemunha solitária
de que a vida falada não convence.
eu e você,
meu quarto escuro
e essa moleza...
amor é isso.
amém.

cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

dança da chuva


quando vier, não seja breve.

arromba as portas uma a uma em desatino:

roda os teus moinhos em mim.
cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

os olhos do metrô

                                                       os olhos do metrô
avisam que a vida segue
e que nada há de frear
a ordem inevitável de viver

os olhos do metrô.
debaixo dos bancos,
nas bolsas das senhoras,
nas escadas.

é noite
e a cidade já não dorme
porque já não há mais noite,
apenas dois faróis
a preencher de luz o mal do mundo.
ordenando os homens.
catequizando-os por dentro.
numa única e indizível felicidade.

pois no princípio o homem quis a luz,
e, para o homem, a luz foi feita.

cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 2 de setembro de 2010


íntimos

insisto em pensar
que há homens e mulheres por mim nunca vistos
que tanto me conhecem,
que compartilham comigo um jeito de ser sozinho.

íntimos ao avesso,
correm noutras margens
e versam outros versos.

mas sei: quando canto,
e um cheiro salgado me nasce à pele,
são esses que estão comigo,
me olhando calmo e fundo.

esses que nunca hei de falar o nome,
mas que hei de acompanhar a vida inteira.


cara de fernando diegues
palavra de victor valente
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