quinta-feira, 29 de março de 2012

os gatos


vai ser melhor que o tempo
leve embora esses seus olhos de malícia.

eu repito eu te amo eu te amo eu te amo.

eu sento diante do computador e escrevo poesia,
às quatro horas da manhã da quarta-feira.

como quem foge de casa,
e sem coragem de fazê-lo.




cara de fernando diegues
palavra de victor valente


segunda-feira, 26 de março de 2012

felicidade veio vindo

é preciso lembrar-se sempre de que a vida
encontra os seus caminhos.

os percalços, bem verdade, colocamos.
inadvertidos que somos,
brincamos de inaugurar fronteiras,
depois choramos arrependidos.

mas a vida é cega e vê a estrada com os dedos.
toca o coração da terra e cria atalhos
para o bem que não queremos.






cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 22 de março de 2012

lastro


trovas de amor num pedestal,
a expressão exata da sandice.

palavras são rochedos imitando água,
palavras são palavras quando nada dizem.









cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 19 de março de 2012

sou uma casa


sou uma casa de lembranças amarguradas
em que o cansaço fez morada logo cedo.

visitas que houveram,
jamais passaram do jardim
descuidado em que te vejo.

rústico. bonito até,
quando o prelúdio da chuva
se antevê no anúncio da aurora.

eu tenho ninfas escondidas entre as margens
do meu sonho,
que te entorpecem e deixam longe:

o chão que me conduz a mim é seco,
embora o verde alegre em volta.

acostuma-te à intimidade falsa.
deita e dorme à minha porta.






cara de fernando diegues
palavra de victor valente

sábado, 17 de março de 2012

"o amor é uma companhia..."

    
     Em nossa primeira série do ano, um dilema anterior à composição: as caras enviadas pelo fotógrafo levaram o poeta a um sempre mesmo poema, “Pátria minha”, de Vinicius de Moraes. Em verdade, os versos de Vinicius preenchiam sem retoque os espaços deixados pelas fotografias, os hiatos entre uma imagem e outra. Que fazer então?

     A possibilidade de refutar a lembrança de versos como “Vontade de beijar os olhos da minha pátria” era distante e, sendo assim, decidiu-se pelo contrário: a composição seria um afundar-se não só neste poema, mas na obra de Vinicius e de todos aqueles que fazem a mitologia artística do poeta. 

Nessa aventura por Caetanos, Caios, Marinas e Pessoas foi ficando cada vez mais salutar o indício de que era uma idéia de brasilidade que se construía ali, isto é, os autores investigados eram responsáveis em grande parte pela noção de Brasil assimilada por Victor.

     Vale colocar, como já é possível de se ter percebido, que o repertório utilizado não é só de autores brasileiros. Portugueses, angolanos, cabo-verdianos, moçambicanos, os artistas da nossa língua, enfim, estavam envolvidos nesse processo, fazendo valer os pontos de aproximação e afastamento de nossas culturas - distintas - unidas pelo Português - também distinto. 

     Daí a composição: a pátria e o sujeito em seu relacionamento de amor e conflito. O flerte com a língua (roçada na língua de Luis de Camões), a mágoa vexada do passado colonial, a impossibilidade de separação entre um e outro (não há pátria sem o sujeito e o sujeito se constrói - também - em sua relação com a pátria).

O verso de Alberto Caeiro, indicando um já não poder andar só pelos caminhos, costura diferentes fases desse amor, colocadas sem a preocupação de uma sequência cronológica, como se a memória trouxesse à tona, num exercício de lembrança, momentos que deixaram marcas.

     Há nuances a serem exploradas, como a relação com o espaço fotográfico (a parede de azulejos, as versões da mesma bandeira), a disposição de pessoas (da turba à solidão), todos elementos que de alguma forma vão conduzindo o leitor por essa, tão sua, história de intimidade.



quinta-feira, 15 de março de 2012

"o amor é uma companhia..." - parte final



poema da aceitação


os dias de silêncio de ti
disseram tanto sobre mim
que eu mal saberia...

que respostas me daria a noite?
e em que lugar, calado e escuro?

foram teus dias sem resposta,
eu preso à estação, cansado e triste,
que brotaram essas palavras magoadas que declamo.

vergonha não há, e mesmo agora.
sei da marca lusitana em minha vida...
sei que em mim eu não seria, sem teres sido...

quem te enganou fui eu,
então não há que desculpar qualquer tolice.
deixa estar.

evoé, Tarsila!
as coisas mais benditas,
quem diria?



cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 12 de março de 2012

"o amor é uma companhia..." - parte 2



desliga você


do que adianta me dizer do que eu já sei?

é ser assim.
viver o caos do nosso encontro não convence.

amor de mais nunca foi o problema,
esquece isso.

é nosso mesmo, estranho amor,
vai me dizer o Caetano.

maracujá, não esquece,
depois me liga. te quero doce.

nós dois na rua, desconhecidos.
e a voz rouca da Marina sussurrando

'você me abre os seus braços
e a gente faz um país.'





cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 8 de março de 2012

"o amor é uma companhia..." - Parte 1



solitude


amo como o amor se faz, sereno.

eu prezo a calma dos abraços encostados,
eternamente tímidos.

pois é o amor,
dentre todas as construções humanas,
o passo dado.

e os arranha-céus e telescópios,
os carros e sirenes que desenham as cidades
e todas as ciências
são esboços mal logrados de ti.

um refúgio seguro
na solidão dos dias.





cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 5 de março de 2012


materno

a solidão é o vício que me apavora,
e manda embora qualquer doce companhia.

livros, quadros,
imagens de santo é o que me basta:
assassinei aos poucos cada marca de família,
os filhos que não tenho, que não quero.

os amigos que me restam
pouco valem, na verdade.

tristeza? não...
me encanta o coro dos silêncios!
e a sua voz enegrecida e sedutora,
feita memória nutritiva dessas horas de ocaso,
me afaga, qual a mãe que mora longe.




cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 1 de março de 2012



da segunda infância


nas mãos da moça
as bolhas brincam de sabão.
escorregam pelo vão das horas
de alma clara
e lavam as escadas de sonho.

na rua plana,
a infância segue o curso ladeira acima,
só para ela.






cara de fernando diegues
palavra de victor valente