quinta-feira, 31 de março de 2011

devir

um pássaro repousa na fiação.
elegante, desfila em penas
a preguiça.

não sabe da moça à janela,
do menino à espreita.
não ouve os sussurros de casal,
seus passos, sua espera.

de mãos dadas,
contemplam a paz solitária.

miram o bicho como quem mira o futuro
- os sonhos, o sal, a lida.
calam-se o peito,a voz e a alma.

de súbito, o trauma da abrupta realidade:
o pássaro, ao vento, voa.
e fica a dúvida.



cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 28 de março de 2011

'nós, por exemplo'

hoje
da varanda
revisitei o passado.

olhei a praia
e vi o mar
e mais além.

fechei os olhos
e ouvia estórias novas
dessas bocas de outrora,
os sons de silênicio e saudade
aportados em nós.

ver-te agora é mais que
um parto.
é o intervalo
entre a lembrança
e o poema ainda não nascido.

fadado a não ser só,
sigo assim, firme na
memória que nos aviva
e que justifica
mares e varandas
imaginárias.

pois hoje da varanda
revisitei o passado.
daqui deste lugar sem varanda
onde vivo,
eu vi o mar.


cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 24 de março de 2011



genealogia

nasci pela madrugada,
no dia de são gregório.

sigo então
entre o segredo e a missa,
estrangeiro em qualquer porto.

se paro,
inquieto,
sou triste.

(o vento à cara,
a alma em riste,
é tudo o que peço!)

se me encontro
é quando diante de mim
resplandecem
enormes
os olhos da sereia

que me invadem,
mas que eu não entendo.

cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 21 de março de 2011

NuGua

 
alcaçuz

ela quando me corre os dedos
num gosto doce de açúcar
e sussurra

alcaçuz
                           e toma a minha cama
e faz um templo.
e lambe os dedos quando me cura.

gesto    som    e espuma

a transladar a noite,
alcaçuz.

moça
a preparar o bote.





cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 17 de março de 2011




cais

aquilo que me separa de mim
é o intervalo entre o não e o sim.





















cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 14 de março de 2011

em memória

era um menino
que queria alcançar a lua,
desses que a loucura inventa.

os moleques da vizinhança
caçoavam,
botavam-lhe apelido.

admiravam.

o doidozinho da casa 3
era o reflexo da inocência
que lhes havia,

em roupas magras
e olhares de bola de gude.

 
 
cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 10 de março de 2011


desenredo

a gata borralheira
trança as pernas na avenida.
quem mandou buscar a quarta-feira?
e choram sapatinhos de cristal.
oscilando entre o real
e a serpentina,
segue assim,
fantasmagórica

                                     suspensa:

sonhos de menina num balanço.
 
 
 
cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 7 de março de 2011


febril

deixa eu te banhar de cor
e te tratar como se trata uma ferida.

o baile dos desesperados
cessa a intermitência dos olhares.

o gozo corre a pele
e ganha o asfalto
qual suores no crepom.



Cara de Fernando Diegues
Palavra de Victor Valente

quinta-feira, 3 de março de 2011

móbile

no asfalto, rente ao tráfego,
pousa, em cores, uma menina,
eternamente moça.

laço entre a rua
e o tempo.





















cara de fernando diegues
palavra de victor valente