segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011


cena noturna

 
voa em passos pela noite
o pássaro,
caminha pelo céu opaco.

corre e canta
entre nuvens invisíveis
o som das horas.

profeta de si,
desinventa o silêncio.

fere a noite pelo umbigo
e amanhece o dia.


 
cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011


a teus pés

os passos de espera
que por aqui andaram
me disseram do riso de que se vestiam.

de uma mulher que em vestes de mandala
se anunciava,
sorrateira.

das sombras que pela noite lhe seguiam,
clamando seu nome em rodopios.

nome que ela nunca dava.

pobres daqueles pés,
feito os meus,
cansados de buscar essa mulher.

ela que dançava entre os doentes,
entre pobres
e saudosos.

 
ela que sabia que a palavra fosse
dádiva.
e nada dizia.

cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011



delírio

todos os meus guardados
pelo verso que me possua!

um verso torto
feito bêbados num beco,
feito senhoras que dedilham terços,
mas que pensam na lua.

um verso que fuce o lixo
e que roa o osso.


cara de fernando diegues
palavra de victor valente

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Os quadros da parede do meu sonho

Uma das tônicas deste projeto é o intertexto e sua consequente capacidade de relacionar leituras, de fomentar uma proposta de arte que se encaminhe para o lado de fora - e é isso que procura evidenciar esta segunda série.
Aqui, decidimos (não tão deliberadamente, que é importante respeitar a visita do acaso) mais que promover diálogos entre composições de foto/poesia. De fato, grandes nomes da pintura nos agraciaram com telas paradigmáticas, que servem como pano de fundo para o nosso percurso criativo.
'O jardim', do catalão Joan Miró, transpassa nossa primeira composição. Em suas formas e cores, Miró nos revela o inusitado, o alegre e imprevisível das cenas cotidianas - depois da tela não há jardim que permaneça o mesmo. Assim, a composição se constitui não como imitação da realidade, mas como interpretação dela (a gota revelaria um pricípio ou um fim de chuva? E que chuva, então, seria essa, aquela que promove enchentes e deslizamentos nas grandes cidades, ou a chuva que inunda os seres de vida, carregada das propriedades curativas e purificadoras da água?).

Doravante, o olhar proposto por Miró se personifica na figura do aluno, que carrega em si a razão de ser do trabalho de seu professor. Pelos olhos do estudante, a realidade, mesmo em toda a sua aridez, ganha tons de expectativa, de revigorante incerteza, e assume a forma dos sonhos nela depositados.

Caminhando pelas horas, encontramos a imagem que se revela no asfalto, pintada num espelho d'água, sob a sombra de 'Noite Estrelada', de Van Gogh. No quadro, o céu confundido em ondas de mar bravio, feito tempestade que há de chegar, relativiza o tempo - uma pintura, por excelência, não deveria retratar um momento exato? Como então essa sensação do devir, da tempestade que não chegou, mas que virá?

Assim, quadro e fotografia advertem, aquilo que soa como distorção da realidade, por conseguinte, como fuga, pode ser, de fato, apenas uma forma de evidenciar aspectos justamente do mundo real - o real de quem vê.
Por outro lado, vemos a formação da paisagem urbana (um pintar de cores no asfalto) que vem acompanhada das dicotomias da cidade: individual e coletivo (gota e poça d'água) violentam-se, concorrem no mesmo ser, no mesmo universo.

O poema, por sua vez, evidencia o óbvio: aquele que vê o trabalho do artista não sabe das coisas do artista, das 'distorções' por ele vistas na realidade e que possibilitaram uma espécie de reorganização do mundo a olhos vistos. Nem precisa, está-se diante do belo - absolutamente atemporal.

E se o caso é falar de distorções, das releituras e do belo, um fechamento propício é o delicado 'Pessoa à janela', de Salvador Dali, que conversa com nossa última composição.
No quadro, uma moça vê o mundo por uma janela. Se admira, se sonha, se chora, não se sabe. Vemos apenas a moça, sua janela e o mundo lá de fora em sua beleza - imagem de aprisionameto ou liberdade?

Sob o olhar do fotógrafo, a paisagem bucólica tansmuta-se em edifícios que servem tanto como impedimento da percepção quanto como evidência da existência do arco-íris. Agora já não temos uma moça exata, mas qualquer observadora do alto de sua janela, de seu 'buraco no concreto'.

Aqui, o mesmo arco-íris pode revelar sentimentos dúbios: o belo que se mostra na paisagem fria e cinza da cidade é ao mesmo tempo a marca do impossível, daquilo que jamais será alcançado.

Sonhar 'o mundo que os olhos alcançam' é o que resta aos viventes dos grandes centros, pois o mito, o fictício e o lúdico já não encontram seu lugar por entre as filas dos bancos, a mega lotação dos ônibus, o aumento do preço das passagens. Entretanto, de que maneira há de se encarar os sinais de boniteza que se oferecem a cada um de nós? Mais, estaríamos nós ainda dispostos a enxergar esses sinais, a transformar o acinzentado da vida na realidade que queremos?
fernando diegues
victor valente

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Os quadros da parede do meu sonho - parte final

pessoa à janela

uma menina à janela
sonha o mundo
que os olhos alcançam.

(esses cantos inventados
já não têm seu espaço nas grandes cidades)

por entre as cores frias da avenida
se dá conta de que o belo
se esparrama nos olhares
de quem vê a vida por buracos no concreto.



cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Os quadros da parede do meu sonho - parte 2


céu estrelado

minha orelha direita
pelo céu do meu sonho.

o céu que invadiu o ocaso
e conservou, no sal, a cidade.

quem vê a tela não sabe
do peso da chuva,
da força da onda.

não vê que ela é mais
que a tinta com que se pinta
e que o presente é qualquer coisa grande,
qualquer coisa maior que o agora.

quem vê a tela não sabe,
não pensa,
não cabe no tempo que tela demora.



cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Os quadros da parede do meu sonho - parte 1

o jardim


o jardim de miró olha para mim
com os mesmos olhos com que vejo os meus alunos.

neles, um alegria por trás das coisas
me afeta o corpo
e desabrocha sob a forma de sorrisos.

diante da guerra,
dessa gente morta,
a tela de miró.

em suas formas tortas,
em suas cores vivas.

pois com os meus alunos aprendi:
a vida - sim - é uma releitura,
e dela a gente faz o que quiser.



























cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011


'o azul, não vê?.'

a verdade é que nos perdemos.
mais que nos amamos, nos perdemos.

isso de amor nesses dias de
fast food and fast and furious
faz de nós um tanto menos.

e é triste o amor que diminui.

ontem, pela praia,
a criança me sorriu de um jeito tão bonito.
era como se a verdade me encontrasse
assoviando.

eu sorri.

a mãe, vexada,
veio e levou embora o anjo bom,
em modos de quem recrimina.

viu meus olhos baixos de vergonha
e partiu
(a zelar pelo costume
num tempo em que se tem vergonha
de sorrir).

cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

dois pra lá

quantos caminhos guardam
o corpo de um violão...

(leve lenta lua
me namora da janela,
pede uma canção que não me toca)

o silêncio, consentido e misantropo,
vê, risonho, a cena.

nem soluços, nem cigarros,
nem cigarras,
só o cheiro da madeira feito festa em meus ouvidos
e a vida que lá fora se emudece.




cara de fernando diegues
palavra de victor valente