segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012


gênesis 1 


essas crianças inventadas em verso livre
não nasceram em igualdade de condições.

antes do tempo,
são mães.



cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012


    
partindo o verso em dois

foi tentando tirar do fio uma pipa
que meu filho perdeu a vida.
foi tentando tirar de mim o meu filho
que eu perdi a minha.












cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012


a estrela da manhã 

no dia em que Dalva pedira um irmãozinho,
levara uma surra que se lembraria até a idade adulta.


um menino era coisa de chegar em boa hora,
que apanhar sozinha já não tinha a menor graça.




cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012


sob a carapaça das horas 


atirada ao desencanto,
eu sou a ilha em que o homem rumina
a solidão em folhas verdes de palmeira,
flores.







por que pensas que me enganas, primavera?


cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012


roda morta

 

fetos abortados
poluem o meu sono.

morrem antes da hora
sem terem visto luz ou sombra.

(não era mesmo a vida
aquela coisa acesa em que a gente
se arranhava em tons grená?)

vem a aurora e eu já não durmo
- foi-se o tempo da manhã iluminada.

de súbito, levanto. 
abro a janela a tempo de ver anjos caminhando pela rua,
sem asas.


cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

sintaxe minha


eu que não desmereço a solidão
sei bem o valor da maior companhia,
a minha.

ouço os meus silêncios como a mulher que medita.

ab surdos?

                 (não)
                                 ad juntos!



cara de fernanco diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Ruah

minha irmã tateia o chão
como quem flutua pela primeira vez.

sibila em sim
e alterna em não,
voa presa à mesa da sacada.

vaga o passo primero à lua,
percorre as terras índias
e os seus aromas.

na cabeça de criança
a casa é um mundo de brinquedos naturais:
um móbile solto na intimidade do ar
e que se rearranja ao sopro.
cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

câncer

ai dessas tragédias
anunciadas nas tardes de junho,
prelúdio do inverno.

no plasma da tevê mais duas criancinhas
morrem saciando a minha fome de notícia.

debaixo das cobertas do horário comercial
o coração pulsa de dó.




cara de fernando diegues
palavra de victor valente