segunda-feira, 28 de junho de 2010





monólogo


passei os dias à tua procura.
por onde andavam teus passos, mulher?

eu ando na rua.

tanto que gemi, gritei, gastei joelhos.
não escutaste, mulher, a dor rasgando a aurora?

o amor dos tolos tem seus meios...

te trouxe anel, mulher.
meu nome era só teu, minha cama era só tua.
ingrata. és vã, és vil, és chula.

meu chão é o chão da noite.
em tua casa, feito escrava, eu me livrava da clausura. não vê?

não vi.

olha. olha a minha cara e diz:
quem, meu bem, feliz, retorna à jaula?





cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 24 de junho de 2010


elogio à palavra


o pobre demônio decorava a calçada
de fezes, olhos e lixo.
levantava as mãos pesadas de culpa
e pedia.

que roubasse, que matasse
- quem se importa? -
mas que não freasse os homens.

disse-lhe da ordem, da necessidade, da urgência das coisas.
mas ele não ouvia.
negava-se.

falava, apenas, na indecorosa língua dos mortos
- que eu misteriosamente entendia.

moço, eu tenho fome.
dá-me um poema.



cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 21 de junho de 2010



credo


cantar não é coisa que se faça para dentro.
é ato de fé e como fé se professa.
fecharam o bar?

o som é a religião do corpo.

ouço passos pela rua
(qualquer coisa de prece anunciada,
feito um terço que se reza em bando.)


ouvi de minha mãe,
a fé é para poucos.
ledo engano.
viver é aguçar ouvidos.
é soprar em tua boca a música que encanta os surdos.



cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quarta-feira, 16 de junho de 2010


saudade do mar

embriagado de histórias,
dei meu jeito de ir embora.

eu percorri os seus caminhos
como quem se afoga.








cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 14 de junho de 2010



domingo


do lado de dentro do meu corpo
a vida aflora.
que tenho, em cada passo,
minha própria casa:
a cama encostada na parede
e o vento preguiçoso que me escapa da janela.

no interior do meu quarto,
os retratos de família me advertem -
os que vão à minha casa me passeiam os sentidos,
me tocam a alma e a nuca.
tudo aquilo que chamamos de intimidade.

aqueles que me visitam
produzem o charme dessas horas.
remodelando a mobília e o aroma.
que eu moro no gosto das coisas.
no cheiro bom que fica.
do lado de dentro da vida,
as pessoas não vão embora.
permanecem na forma estanque de carinho.
cristalizadas de ternura, sabor e afeto.


cara de fernando diegues
palavra de victor valente