quinta-feira, 28 de abril de 2011


Isaac


levo às costas o cordeiro de páscoa,
marca de uma mágoa mal curada.

(mais, talvez, que espanto,
é o que somos?)

pobre cordeirinho,
antes fosse o costureiro das colinas
do teu sonho

e não esta lembrança,
disfarçada de perdão.

em desenhos,
mais que cicatrizes,
um pai oferece o filho

e é na dor de ser traído
que os meninos crescem.



cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 25 de abril de 2011

programação noturna


baixa escura e fria
a noite alta
e traz a chuva
em seus sussurros
de tv.
dessintonizadamente,
chia.



cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 21 de abril de 2011


das regras do capital

a criança perambulava pelo centro
da cidade enorme.

tio, tio,
me dá um dinheiro!
eu tenho fome,
eu tenho sede,
eu tenho um sonho...

tudo mentira da criança...
o crack e a merla custam o que ela
não paga.

a força do trabalho infantil é mais
barata,
mesmo entre as putas.


 
cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 18 de abril de 2011

locus amoenus

as sopas de feijão
da minha avó
inventaram a minha infância.

lembro dela ao fogo,
quieta,
a pele bonita e morena
contornada por cabelos negros,
lisos.

minha avó fazia a sopa
feito quem reza;
e não é de estranhar que rezasse.

emsimesmada de vida,
amava nos gestos.

toma, meu filho,
que a sopa tá pronta.

e ria com olhos
de criança que come.

e eu comia.



cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 14 de abril de 2011


trovadoresca

a moldura do teu quadro
na parede
é só silêncio,

um vulto feminino
que me arrasta para o alto
e me leva para longe desta ausência.

é doce navegar
por entre as tuas persianas,
pela poeira que as atravessa...
e contemplar-te inteira.

enormes olhos
de farol
a ignorar o mundo.


 
cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 11 de abril de 2011

fugere urbem

o tempo por trás
das vigas de ferro em brasa
amansava as horas do ocaso.

distante da geometria funcional
da cidade
o mundo se deita
indiferente aos trabalhadores que nunca dormem.

 
 
 
 
 
 
cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 7 de abril de 2011


serenata


que o teu corpo encontre
o doce desse fruto
em outro corpo.

que o sumo do teu sumo
se derrame em calda,
em suco denso e calmo.

e que a paz desse momento
te acompanhe pelo outono.

pois os olhos cabem
naquilo que dizem...

e a lembrança pulsa feito
pitanga,
mas tem sabor de carambola.

 
cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 4 de abril de 2011


atlântico


na cidade da minha infância
passa um rio
por onde brincam as crianças.

e navega-se sobre a mágoa.

e flutua-se sobre a lua,
que nada nua.



 
cara de fernando diegues
palavra de victor valente