quinta-feira, 28 de outubro de 2010

o mito em mim


os dias em que me nego à poesia
são dias de silêncio inválido,
de condenação consentida.

(leva, criança, a pedra
monte acima.
leva às costas o peso da tua humana
inutilidade)

pois nos dias em que me nego à poesia
eu sou esta criança.
nos dias em que me nego à poesia
eu sou a pedra.




Cara de Fernando Diegues
Palavra de Victor Valente

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

uma mulher

amo uma mulher com olhos de sal.
uma mulher que se assanha em saber que a amo.
ciente do meu espreitar noturno,
do meu perder-se em tantos olhos.

amo uma mulher com olhos de praia.
que amansa quando a maré abaixa,
mas que inunda quando canta pra lua.




Cara de Fernando Diegues
Palavra de Victor Valente

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

yin

 

lançar-se ao abismo
feito um rio,
reflito.
viver,
no fim,
é mais que isso?


Cara de Fernando Diegues
Palavra de Victor Valente


 

segunda-feira, 18 de outubro de 2010


à tarde, no horto

dá-me um sinal da tua existência,
da tua infinita bondade,
abba, abba...

o filho do homem percorre os caminhos da
miséria.
consigo, já nem pensa na mulher,
nos filhos que entregou ao mundo.

é preciso parar jamais, argumenta.
é preciso não sofrer,
que o sofrimento é o algoz de tudo.

mesmo que digam não,
que o corpo peça,
que a alma exija.

cruz às costas,
sua única exceção.


Cara de Fernando Diegues
Palavra de Victor Valente

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

o homem no quarto (2)

daqui,
deste canto inóspito do espaço,
vejo o mar.

aqui, ponto privilegiado
da tormenta.

do alto, eu sei, assim de longe,
o acaso resplandece tão bonito.

olha-me também a praia
em sua calma,
em paciente espera.

o homem que passa,
um cão,
moças beijando o silêncio.

a cidade, enfim, desperta, inteira.
não eu.
meu lugar é onde habita a memória.



Cara de Fernando Diegues
Palavra de Victor Valente

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

a uma passante

a rua tem seus próprios caminhos
e eles bem sabem aonde levam.
a mim, levaram aos olhos da passante.

tens nome certidão endereço?

coisas que nos exigimos!
que são os nomes?
que é o tempo?

ela passa e deixa o gosto morno dos gestos não vividos.
uma pena.

que há algo sem nome entre esses estranhos
que se passam,
um segredo que atravessa a coluna
e vai embora.

coisas que aprendi.
só se desconhece verdadeiramente à primeira vista,
e é preciso ter pressa, sempre.



Cara de Fernando Diegues
Palavra de Victor Valente

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

licença poética

a folha em branco passeia nua pelo horizonte.
namora a lua.

a linha, pleonasticamente fina, suspira:
presa entre duas margens, liberta-se sonhando-se rio.
e ri.

comigo, rabisco-lhes mentalmente o corpo,
desenho carinhos pela noite.

em tempo, reconsidero.

o sono que escreva seus próprios poemas.




cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

bangalô

são palavras daquela boca,
essas de encantar os homens.

os que ouvem as tuas histórias
aprofundam-se em correntezas fecundas,
engravidando os ouvidos de encantamento.

nos braços de Seu Francisco
corre o sonho dos viajantes:

ouro mulher abraços

e cais.

os caminhos de Francisco bem sabem aonde levam,
onde alcançam.
um mundo feito de tudo aquilo que vemos
e mais nada.



cara de fernando diegues
palavra de victor valente