quinta-feira, 31 de maio de 2012

bemol

abandonar a roupa pouca no acaso.
nas horas, deixar o dia -
caso ele corra.

a dor acaba
como acaba quase nada.

e a vida dura
como dura qualquer coisa.

canta,
e deixa a palavra desenhar o sentimento
pela boca.
cantar é eterno.


cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 28 de maio de 2012



pena capital

a dor aguda rasga a cara
e a cabeça limitada não suporta.

a vida parte em busca de silêncio,
o corpo fica e aguenta o peso da demora.

cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 24 de maio de 2012



tempo eu

é natural que seja pouco:
todo o sentimento
é só instante.

só a memória realmente dura.

e dizendo que amamos
nós dizemos que sofremos,
impregnando as coisas de sentido.

como a rua 
que é vazia à madrugada,
mas que amanhece abarrotada de pessoas.



cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 21 de maio de 2012

asa

nem todos os caminhos se constroem em linha reta,
nem toda linha reta se revela sob a forma de caminho.

andar, porque é preciso.
por sobre a forma inexata dos poemas,
o orvalho.

andar, que a vida é vaga.
dedos como asas vistando o amanhecer
das horas.

andar, a vida pede!
é água passeando pela cara
os passos de tão dura caminhada.

andar
        o
        passo
               exato
  descendo
rio
    abaixo
            na tontura.

toda forma de andar,
                              que o vento leve.
                                                      toda forma de andar,
que o vento cura.



cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 17 de maio de 2012

oito do cinco

o mundo cabe nos olhos de quem vê
as cores sob a forma de instante.

um homem anda 
por entre as caras da cidade
impregnando a face neutra das palavras:

seu passo materializa gestos de outono
e confissões de primavera.
a rua para para olhar sua passada.

o homem com lata coletora
inventa histórias de uma gente verdadeira,
carente do que inexiste.

é ver-se em olhos de alice,
os olhos dele.

- quem dera sempre a mesma infância! -
:o mundo desenhado do outro lado do espelho.




cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 14 de maio de 2012

vacante

que é o tormento,
mais que afogar-se de sentimento?

eu sou o mar que espreita a praia
e sonha os sonhos da terra fofa,
aquele que molha a areia e volta
na vaga do vento à popa.

um barco sozinho, vejo,
navega o meu sofrimento,
moinhos de sal invento
às costas do meu relevo:
são onda, areia e castigo
as marcas de andar comigo.

é onda, areia, é desejo
da praia que molho e beijo.

***

deixa eu ver a vida
pelos olhos de quem dorme!




cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 10 de maio de 2012
















sempre

quando a manhã, enfim, minguar inteira
e a noite colorir de frio o teu sorriso,
lembra de mim.

eu lembro, sim.

e quando a tarde te olhar cansada
e a inevitável solidão te der morada,
lembra de mim.

eu fui o teu problema preferido.

escolhe um dia pra lembrar do meu silêncio,
me chama!, como eu fosse aparecer
pra decorar tua varanda.

depois me mata.
me deixa ser um pouco
da fumaça dos cigarros dos passantes.

guarda qualquer coisa que sobrar.
o meu lugar é a tua estante preferida.


cara de fernando diegues
palavra de victor valente

segunda-feira, 7 de maio de 2012

hai kai

na beira da tarde
um aviso: tudo que arde
ou é cura ou é vício.













cara de fernando diegues
palavra de victor valente

quinta-feira, 3 de maio de 2012


memória auditiva


quando amanhã for frio
e não mais a brisa reavivar a espera - morna,
há de chegar de volta o tempo d'eu menino.

há de chegar de volta em olhos plácidos,
de uma sadia sonolência, agora ausente.

ignorando os honorários
e os dispensáveis compromissos do trabalho.

um ser latente admirava tudo isso!

virá, eu sei,
ignorante de qualquer merecimento,
ou culpa.

dos fatos que tornam qualquer vida besta
e irresistivelmente única.
o frio que aproxima a voz do fogo,
mais ancestral que o corpo,
mais ancestral que a bruma.

em nós, a pequenez
em cada bater de dentes.



cara de fernando diegues
palavra de victor valente